sábado, 18 de dezembro de 2010

"Quando fica frio, lembram-se de nós"


Dois graus. As ruas da cidade estão desertas. O frio gélido retém as pessoas no conforto do lar. Contudo, para muitos, o lar é o umbral de uma loja, os caixotes de cartão espalmados que servem de paredes e tecto. E os cobertores. E a sopa quente que almas caridosas não páram de distribuir. Quando o sol nasce, a miséria recolhe e desaparece. A cidade renasce como se nada tivesse acontecido.

Já passa da meia-noite. O termómetro aproxima-se dos zero graus. A meteorologia prevê que o frio seja ainda mais frio. António - foi esse o nome que escolheu para falar com os jornalistas - recebe, de pé, a sopa quente e o pão que jovens voluntários distribuem, toda a noite, aos sem-abrigo do Porto. Aos pés, tem o seu lar, novo de há cerca de três meses: caixotes de cartão devidamente espalmados e colocados, que servem de chão, de paredes e, por fim, de tecto.

A "desgraça" começou, anos atrás, com o divórcio. Uma família destroçada. Filhos? "Sim, devo ter por aí, talvez com 19 e 22 anos". Depois, veio a doença nas pernas. Hoje, com 300 euros de subsídio social de desemprego, ao ex-electricista, de 53 anos, resta o umbral de uma loja de pronto-a-vestir de "Santa Catarina".

"Não, frio não tenho", assegura, enrolado em cobertores. Reconhece a miséria de vida que lhe calhou na rifa. Mostra três sopas, entregues por três equipas de voluntários. "Quando fica muito frio, todos se lembram de nós", atira, com um não-sei-quê de sarcasmo. Procura manter os prazeres de outros tempos. De manhã, recolhe os parcos pertences e vai para a Biblioteca Municipal. Lê a Imprensa do dia, de manhã. À tarde, depois de comer uma sopa, ali regressa para ler livros. À noite, no seu "lar", usa uma lanterna para ler "A Sibila", de Agustina.

Não longe dali, na Rua Dr. Alves da Veiga, o recuado de um prédio alberga José Manuel Rodrigues, 48 anos, e Joaquim Costa, 53 anos. O "lar" de ambos também é feito de cartões e cobertores. "Não, frio não temos", asseguram. Ambos desempregados, preferiam estar num albergue. "Já lá fomos, não há lugar, estão cheios". Joaquim Costa queixa-se dos cortes nos apoios dados aos sem-abrigo. "Agora, só com o rendimento mínimo, não dá para alugar um quarto numa pensão. E vai haver cada vez mais gente a vir dormir para a rua", avisa.

António Ferreira, 54 anos, "contentou-se" com o vão da entrada de uma garagem nas traseiras do Mercado do Bom Sucesso. Já correu os albergues. "Não há vaga", lamenta. Enrolado em cobertores, assegura que já não sente o frio. Recebe a sopa das mãos dos voluntários da organização "Altruístas", um grupo de 35 jovens, todos amigos, com idades compreendidas entre os 21 e os 23 anos. Pedro Ferreira, 36 anos, dorme numa espécie de arcada em "Júlio Dinis". Diz que ali está bem protegido do frio e da chuva. A toxicodependência traiu-o. "É triste, mas não tenho vergonha de viver na rua

3 comentários:

  1. Adoreii :)
    Hoje em dia temos de pensar em nós e nos outros, porque se virmos alguém sozinho, infeliz e não o ajudarmos vamos-nos sentir com ele.

    Rita Marinho

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  2. Por vezes eu prefiro não olhar para os sem-abrigo, pois fico muito comovida não só pelo facto de não terem um lugar que possam chamar casa, mas também pelo país que temos, um país que ajuda as pessoas que não necessitam e despreza as pessoas que necessitam não só de um lar, comida, e cama, mas também de amor, afecto, união e um abraço.

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  3. Muito forte Pedro! Mesmo muito! Abraço.

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